segunda-feira, 13 de outubro de 2008

EUA no Clássico-Rei

PÉROLA – Essa foi proferida por Fernando Graziani, durante a transmissão do jogo Fortaleza x Ceará, pela rádio O Povo/CBN, após ler mensagens enviadas por internautas que diziam estar fora do País: “os Estados Unidos em peso ouvindo a rádio O Povo”. De fato, país em plena efervescência de uma campanha presidencial, economia seriamente comprometida pela recessão econômica e a queda da bolsa de New York e o país em peso acompanhando o clássico cearense pela internet. Pois sim... E como se não fosse bastante, em seguida ainda mandou essa, sobre partida válida pelas eliminatórias da Copa do Mundo, que acontecia no mesmo instante: “A Colômbia está goleando o Peru por 2 x 0”. Nossa, se ele considera 2 x 0 goleada, imagine se o placar apontasse 4 x 0 ou mais...

PARA REFLETIR – "Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la como o calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo." (Mahatma Ghandi)

O Novo presidente da Câmara de Vereadores e o Jogo de Luizianne

A época é fértil para "balões de ensaio" e especulações sobre a eleição da mesa diretora da próxima legislatura. O jornal O Povo já começou o périplo. Publicou matérias sobre a eleição da futura mesa diretora e soltou seus balões de ensaio. Evidentemente a eleição da mesa diretora passa pelo ocupante do Executivo. De uma maneira ou de outra. O interesse em ter um presidente “alinhado” com a Prefeitura é grande. Em 2004, desaguada no segundo turno contra grandes adversários de fora e de dentro do próprio partido, Luizianne venceu a disputa com Moroni Torgan após uma série de alianças que incluiu, inclusive, o então prefeito Juraci Magalhães.

Como presidente da Câmara acabou ungido o então articulador político de Juraci, Tin Gomes, eleito naquele ano. Tin conseguiu formar uma grande base de vereadores, que o credenciou para presidir o Legislativo. Durante todo o mandato da petista o presidente da Câmara se cacifou para postular o posto de vice em sua chapa, o que acabou por ocorrer. A previsão de ampliar a bancada foi frustrada. O chamado “blocão” conseguiu apenas sete cadeiras, uma a menos do que a coligação PT/PMDB. Por conta disso e por já ter aberto espaço para Tin como vice, a prefeita tem declarado que o próximo presidente da Câmara sairá de um dos dois partidos.

Na verdade a prefeita deseja ver no posto um colega de partido. Pelo PMDB, Paulo Gomes está descartado – por ser inexperiente e por ser sobrinho de Tin Gomes –, bem como Marcus Teixeira e Magaly Marques – ambos por não possuírem o perfil que a prefeita procura –. Carlos Mesquita, que tem sido objeto de babação de ovo de parte da imprensa também está descartado. O peemedebista passou a maior parte de seu mandato na oposição, tendo inclusive utilizado imagem do ex-prefeito Juraci em sua propaganda.

A imprensa não vai abordar, mas será travada – já está sendo – uma disputa pesada entre Luizianne e Tin para a eleição da mesa. A prefeita quer – mas sabe que será difícil – ver na presidência um vereador ligado diretamente a ela, no caso Acrísio Sena ou Ronivaldo Maia. Ambos também não possuem o perfil capaz de agregar votos do resto dos parlamentares. Mesmo com algumas ressalvas – o início do relacionamento político não foi muito pacífico – Guilherme Sampaio conseguiu aparar arestas com Luizianne e se transformou em seu líder. Poderá chegar na disputa como ungido.

Por outro lado Tin Gomes aposta ficha em três flancos. O primeiro, seu candidato preferido, Walter Cavalcante, mas sabe que, sendo um vereador com estreita ligação com ele, dificilmente conseguirá emplacá-lo. Como “plano B”, também tenta Elpídio Nogueira, mas a ligação dele com o grupo dos Ferreira Gomes – seu material de campanha, inclusive, trazia a foto dele junto com o deputado federal Ciro Gomes – é fator de resistência por parte da prefeita. Como “plano C”, o vice-prefeito eleito e presidente da Câmara tem apoiar o petista Salmito. O vereador reeleito não tem a simpatia da prefeita e é um nome oriundo do mesmo partido que ela.

Luizianne era vereadora quando assistiu à derrota do então prefeito Juraci Magalhães, que lançou e apoiou a candidatura de José Maria Couto, na eleição do primeiro dia de 1997, para a presidência. Naquela época, na queda de braço do prefeito com os deputados estaduais José Sarto e Carlomano Marques, Juraci cometeu erros que Luizianne, por seu perfil intempestivo, teimoso, arrogante, poderá repetir. O então prefeito, sem consultar os demais integrantes de sua base e sem avaliar a capacidade de agregação de Couto, o lançou. Foi o fator determinante para que Sarto e Carlomano conseguissem costurar um acordo que acabou por viabilizar a candidatura e a eleição do vereador Acilon Gonçalves, que por quatro anos lhe fez oposição e impôs derrotas no Legislativo.

Luizianne era um dos 41 vereadores daquela legislatura. Caso tenha entendido os motivos da derrota de Juraci, terá como não repeti-los nessa eleição. Em um lado está Tin Gomes tentando fazer seu sucessor, do outro Luizianne tentando eleger alguém de sua preferência. No meio o presidente estadual do PSB, Sérgio Novais, com a irmã, Eliane Novais – vereadora eleita – tentando fazê-la presidente, apelando para o fato da ala histórica do PSB ter aberto mão de indicar o candidato a vice-prefeito em troca da presidência da Câmara. A imprensa local opta por reproduzir discursos, maturar balões de ensaio do que efetivamente mergulhar no que de fato está movimentando a sucessão para a mesa diretora da Câmara.

A resposta das urnas

A cada eleição a composição do Legislativo Municipal tem sua qualidade diminuída. Seja como for, mesmo com os vícios e distorções, o sistema representativo garante a participação partidária de acordo com os votos recebidos. Mas a política brasileira não é, salvo uma ou outra exceção, formada por partidos políticos, mas por siglas que não têm qualquer tipo de atuação programática, ideológica, transformadas em meros instrumentos para que se concorra a cargos eletivos.

Dentre os que disputaram vaga na Câmara Municipal algumas “rodadas” surpreendentes. O ex-prefeito Antônio Cambraia (PMDB) ficou até longe de conseguir eleger-se. Embora não seja surpresa o pífio número de votos que o atual vice-prefeito, Carlos Veneranda (PDT) recebeu (foram apenas 1.031) acabou surpreendendo. Candidatos que eram apontados como “puxadores de voto” decepcionaram e influiu nos planos de outros postulantes. Das decepções a pior ficou com o “blocão” liderado pelo presidente da Câmara e vice-prefeito eleito, Tin Gomes. A primeira projeção que ele fez era de eleger nada menos de 22 (isso mesmo, 22, mais de 50% da composição do Legislativo) vereadores. A segunda projeção foi de 14 vereadores. Conseguiu apenas a metade disso. Tratava-se de um delírio extremo, pois para que o número de vereadores projetados no primeiro delírio fosse eleito, seriam necessários aproximadamente (ou até um pouco mais de) 650 mil votos. O desempenho dos candidatos do “blocão” (PSL/PRB/PHS/PMN), entretanto, foi alto: o vereador Marcílio Gomes (PSL), que não conseguiu se reeleger e ficará na primeira suplência contabilizou 8.205 votos, que teriam garantido sua reeleição em qualquer outra sigla.

Da turma que explora a condição de profissional e falso profissional como trampolim político, apenas o “comentarista” do programa 190 (TV Cidade), Vitor Valim, conseguiu eleger-se. Lógico que a superexposição no programa e o fato de ser genro do dono da emissora também contribuíram. Os demais ficaram bem longe do mandato. O falso profissional e explorador da miséria alheia Nilson Fagata (TV Diário) ficou na sexta suplência da sua coligação. Depois de Valim, foi o que mais votos conseguiu. Marilena Lima (TV Diário), da mesma coligação, teve pouco mais de 1.300 votos. Mas a situação mais vexatória foi do jornalista Afrânio Marques (TV Diário), ex-vereador: obteve apenas 658 votos. O falso profissional Ibernon Monteiro (Rádio Verdes Mares AM) também foi outro que pensou galgar a carreira política puxando o saco da torcida do Ceará Sporting, mas recebeu apenas 2.991 votos – há treinos do Vozão que dá mais gente do que isso –. O “advogado do cidadão”, que pensou utilizar “foguetes” sobre direitos do consumidor na TV União como trampolim político, Fernando Férrer, também recebeu uma lição das urnas: 2.690 votos.

Mesmo apregoando em seu site pessoal constar numa suposta lista dos dez candidatos a vereador mais comentados do País (embora não informe como se havia chegado à essa lista nem quem seria o responsável por ela) a dona de boate de swing (troca de casais) Kátia Heffner obteve 216 votos. Famosa por chamar os políticos e quem não votava nela de “cara de bunda”, acabou por ela própria ficar com essa cara. Desempenho ainda pior do que a “dançarina e cantora de funk” Adriely Fatal, que conseguiu 1.165 votos. Apresentada como sucessora da também “dançarina” e stripper Déborah Softy, o “fenômeno” da eleição passada não se repetiu. Aliás, apesar de ter divulgado que iria disputar mandato legislativo em Maracanaú, a vereadora de Fortaleza/stripper acabou por ficar de fora da eleição desse ano.

A pesquisa que circulou na Câmara Municipal, feita entrevistando eleitores aleatoriamente nas praças José de Alencar e do Ferreira acabou por mostrar-se surpreendente. Dos 41 vereadores eleitos apenas sete não figuravam na lista dos 100 mais citados - Pastor Carlos Dutra, Alípio Rodrigues, Marcelo Mendes, Adail Júnior, Dr. Ciro, Antônio Henrique, José Freire e Irmão Leo –. Os demais constavam na relação.

Falando em pesquisa, o colunista Fábio Campos (jornal O Povo) atacou duramente algumas pesquisas eleitorais na coluna Política do dia 11/10/08. Escreveu:

“AS PESQUISAS, OS ERROS E O CONFLITO DE INTERESSES Aumentaram as desconfianças em relação às pesquisas após as eleições de cinco de outubro. É fato a ocorrência de situações estranhas, inclusive aqui em Fortaleza. O Ibope, por exemplo, num curto espaço de tempo, divulgou uma pesquisa em que Luizianne aparecia com 50% das intenções de voto e, em cinco dias, caiu para 45% (cinco pontos percentuais a menos) enquanto Moroni Torgan (DEM) subia seis. Tudo isso sem que existisse um só fato que explicasse tamanha flutuação. No Rio de Janeiro, o mesmo Ibope comeu moscas e não percebeu a chegada de Gabeira. Só após o Datafolha detectar o crescimento do "verde" é que o Ibope se deu conta. O Ibope também apresentou problemas na boca de urna de Fortaleza, que é uma pesquisa com menor possibilidade de erro. O instituto entrevistou quatro mil pessoas e disse que a petista seria vencedora com 53% dos votos (notem que oito pontos a mais que a pesquisa da véspera da eleição). No entanto, Luizianne terminou a disputa com 50,16%. Como a margem de erro era de 2%, podemos afirmar concretamente que o Ibope errou. O problema de certos institutos talvez não seja apenas de metodologia, mas sim de credibilidade. E essa falta de credibilidade se exacerba quando o instituto vende pesquisas para os meios de comunicação e também para os partidos que têm interesse direto nos resultados. Assim dando à coisa o nome que ela tem, é o que poderíamos denominar de conflito de interesses”.

O problema é que o jornal no qual ele trabalha também divulga pesquisas, do Instituto Data Folha, que também vende pesquisas para os meios de comunicação e para partidos. Afinal, por qual motivo citar apenas o Ibope? É fato que esse instituto há tempos vem errando em suas pesquisas. Mas não está sozinho. Além disso, em seguida fez uma defesa da manutenção da divulgação das pesquisas – que efetivamente têm influência, de uma maneira ou de outra, no resultado de qualquer eleição –. “AUDITORIA É DIREITO DO CONSUMIDOR César Maia argumenta que ‘os erros graves na boca de urna’ mostraram que a questão técnica precisa entrar em debate, já que nem se poderia acusar de má fé, pois a eleição já havia acabado. ‘Talvez caiba ao Congresso nacional criar uma Comissão Especial de análise convidando especialistas seniores do Brasil e dos EUA e submetendo a metodologia aplicada por estes institutos a uma análise profunda. Eles não podem se negar a isso, pois se trata não de pesquisas internas, mas de pesquisas contratadas por importantíssimos meios de comunicação de alcance nacional, inclusive pela TV Globo. O consumidor tem todo o direito de ter uma informação adequada para tomar a sua decisão. Não é o que vem ocorrendo’. Tem sentido. É muito melhor fazer isso do que proibir a divulgação das pesquisas”. Pesquisas deveriam apenas servir como instrumento de avaliação interna das campanhas, nunca para serem divulgadas com a clara intenção de influenciar o eleitor.

Predileção Escancarada e a resposta das urnas

Começaram as projeções para o próximo nome do vereador presidente da câmara de Fortaleza. O dia da eleição, o pós-eleitoral, é um período fértil para o surgimento de personagens e a afloração de comportamentos nem sempre surpreendentes. Quando se define o quadro político que irá perdurar nos próximos anos, aproveitadores, bajuladores, sanguessugas aproveitam para traçar estratégias com o fito de galgar vantagens pessoais. Fase em que atos anéticos, inescrupulosos tornam-se ainda mais presentes.

Em Fortaleza, a mídia – que em sua maioria já se apresentava parcial à candidatura da prefeita Luizianne Lins – não mais fez questão em esconder seu posicionamento. Mesmo empresa de comunicação que não escancarou sua predileção por candidato acaba incorrendo nisso, como ocorreu com o Diário do Nordeste. Na segunda-feira após a eleição, o jornal trouxe uma capa para afagar o incomensurável ego da petista e lhe bajular. “Fortaleza reelege a guerreira”, foi a manchete, com uma enorme foto.

É fato que os meios de comunicação têm no Poder Público uma importante fonte de renda. Mas daí a atuar como Fagundes dos que, momentaneamente, estão com a chave do cofre na mão, é outra história. Foi descarada a forma como colunistas utilizaram seus espaços para colocarem-se a serviço da candidatura situacionista. Pior mesmo foi o espetáculo protagonizado pelo diretor de jornalismo da TV Diário, Roberto Moreira, que na noite do domingo, transformou o programa que deveria versar sobre a cobertura das eleições municipais em todo o Estado num festival de bajulação de prefeitos reeleitos e eleitos.

A preocupação com a bajulação fez com que poucos fizessem uma análise do que os números demonstraram. A vitória da prefeita Luizianne Lins, apesar de festejada como triunfante por ter ocorrido já no primeiro turno, deu-se por uma margem de apenas 3.836 votos. Ou seja: somando-se os votos atribuídos a todos seus opositores, essa pequena diferença garantiu sua vitória no primeiro turno. É pouco mais do que a votação do último eleito para a Câmara Municipal, Valdeck (PTB), que obteve 3.419 votos.

Foi um recado claro: quase e metade da população não aprovou a gestão da prefeita e queria outra pessoa no Executivo. Pelo menos no primeiro instante. Além do mais, o vereador mais votado é também um dos que lhe opõe e se oporá no Legislativo: João Alfredo, do PSol. Não obstante o tom irônico, sarcástico, prepotente, arrogante que a prefeita utilizou na entrevista que concedeu ao Jornal do Meio Dia (TV Verdes Mares) – obviamente com perguntas para lá de “camaradas”. Luzianne desdenhou de seus opositores, afirmando que a maioria dos que lhe fazem oposição na atual legislatura não conseguiu renovar o mandato.

Os números finais da eleição proporcional apontam para outra leitura. Afinal, Alri Nogueira e alguns outros poucos a compor a oposição que “rodaram” não se constituem numa oposição pensante. Trata-se de uma oposição montada de acordo com o interesse pessoal do parlamentar. Os eleitores que os conduziram ao Legislativo em 2004 não estavam interessados se eles iriam ou não fazer oposição à gestão municipal. O parlamentar eleito do PSol, entretanto, chega à Câmara pelo desejo dos que sufragaram seu nome de vê-lo na oposição no segundo mandato de Luizianne. Tem a experiência de já ter passado pela Assembléia, Câmara Federal e conhecer bem a prefeita e sua entourage, posto que é seu ex-colega de partido e praticamente o único nome de expressão do partido que a apoiou em 2004.

Na entrevista ao Jornal do Meio Dia, Luizianne utilizou a batida expressão “choque de gestão”, como meta de seu próximo mandato. Ora, a prefeita teve três anos e dez meses para fazê-lo. Não o fez. Agora que terá de acomodar nada menos do que doze partidos em seu governo – e mais alguns que fisiologicamente acabarão por se juntar – será muito mais difícil. O “perfil técnico” que traçou para seu futuro secretariado cairá por terra quando tiver que satisfazer os interesses de quem abarrotou seu palanque.

O primeiro mandato do presidente Lula e a campanha de 2006 expuseram, definitivamente, que o PT não era mais nem sombra do partido que se originou das lutas dos trabalhadores no início dos anos 80. Na mesma linha, o petista costurou uma “ampla” aliança que fez alçar à condição de seu vice um empresário oriundo do PL (hoje PR, depois do escândalo do mensalão e da fusão com o PRONA) e à presidência do Banco Central um banqueiro eleito deputado federal pelo... PSDB. Os petistas colocaram em prática um dos mais ferozes planos de clientelismo que já se registrou na história desse País, através da compra de voto disfarçada de programa social. Além disso, a cooptação dos que ainda relutavam em aderir ao governo, mediante a distribuição de sinecuras.

A fórmula – tão criticada pela prefeita quando da campanha de 2004 – foi assimilada e reproduzida em Fortaleza. Através da distribuição de cargos e benesses, Luizianne conseguiu compor uma base de apoio tão “eclética” que contou até com o ex-articulador político do ex-prefeito Juraci Magalhães – que abocanhou a presidência da Câmara por dois mandatos e agora é o vice-prefeito eleito – e um de seus vice-líderes no Legislativo, Didi Mangueira, que não conseguiu reeleição. Para a campanha da reeleição, trouxe ainda o PMDB – aquele mesmo que a prefeita apregoava como ser o que de mais atrasado existia na política – e parte da família Ferreira Gomes – os mesmos que também recebiam pesadas críticas da petista, quando se abrigavam no ninho tucano –. E para arrematar, uma gama de “projetos sociais”, dentre eles o “vale-casa”, e se isso não é compra de votos, então nada mais pode ser considerado assim.

Sobre Jornais e bicheiros

(Esta postagem dá continuidade ao assunto da postagem abaixo)
Na imprensa escrita, foi bastante curiosa a forma como os dois principais jornais se portaram diante do fechamento da empresa Paratodos. O Diário do Nordeste publicou apenas uma matéria, sendo o mais superficial possível e omitindo a lista dos sócios da banca presos pela PF. Somente dois dias depois, o jornal publicou a lista dos presos, que incluía, além de João Mendonça e Francisco Mororó, outro conhecido nome do “high society” e das páginas policiais: Fábio Leite, notório proprietário de cassinos clandestinos (nem tão clandestinos assim) e que fazia questão de expor sua ação de não acatar decisões judiciais. Também vale lembrar que Mororó chegou a ser dono da extinta TV Com, até que vendeu a emissora para o Sistema Verdes Mares de Comunicação, sendo hoje a TV Diário.

Aliás, sobre a forma como a imprensa mantém-se (ou mantinha-se) calada frente à contravenção, escreveu o ombudsman do jornal O Povo, em sua coluna do dia 12/10/08:

“MAIS ANTIGO Foi dito na matéria ‘Vou mudar a cúpula da Polícia Civil (entrevista com o secretário Francisco Crisóstomo) que ‘era notório que o Jogo do Bicho funcionava sem parar havia pelo menos três décadas em Fortaleza, mas nunca havia sido importunado’. Ocorre que apenas o ‘banco’ Para Todos funcionava sem parar havia pelo menos três décadas. O Jogo do Bicho é muito mais antigo. Quando repórter de Cidade, tentei fazer, no final da década de 70 ou início dos anos 80, uma matéria sobre o jogo do bicho, ouvindo o Sr. Francisco Mororó. Na época, nada saía na imprensa sobre jogo do bicho. Nem contra nem a favor. Os bicheiros preferiam não ser lembrados no noticiário da imprensa. Mororó ainda me fez um desafio: ‘Vamos apostar como essa matéria não sai’. Não saiu mesmo. Tentativas frustradas de fazer reportagens com o Jogo do Bicho ocorreram também com outros repórteres deste jornal”.

Sobre o texto de Paulo Verlaine, apenas o seguinte: na época nada saía na imprensa sobre o jogo do bicho e agora só saiu porque o fato não tinha como ser ignorado. O jornal O Povo fez uma ampla cobertura sobre o fato. Mas um fato chamou a atenção: o insistente enfoque sobre o “lado social” do Paratodos, através do depoimento de apontadores e apostadores. Todas as matérias traziam depoimentos sobre como a contravenção lhes garantia o sustento, direitos sociais, “seriedade” no pagamento dos prêmios, etc. Nenhuma linha sobre o universo obscuro que gravita em torno do jogo do bicho. Coincidentemente todos os textos abordavam o “trabalho social” que o Paratodos fazia.

O tráfico de drogas e a exploração sexual também “geram” emprego, renda e produzem um “trabalho social”. Nem por isso não devem ser coibidos. A argumentação de que a contravenção é aceita socialmente não tem qualquer valor, uma vez que a lei a proíbe. Assim como também proíbe o tráfico de substâncias entorpecentes, o lenocínio, o rufianismo. Em ações da Polícia na repressão a esses crimes, não se tem notícia desse tipo de enfoque por parte do jornal. Por qual motivo a simpatia à contravenção?

Além disso, publicou o seguinte: “João Carlos Mendonça - Presidente do Conselho Administrativo da Organização. As investigações apresentaram divergências entre os rendimentos declarados e a movimentação financeira. A PF detectou ainda que ele manteria bancas de jogos nas cidades de Russas, Aracati, Quixeramobim, Quixadá, Sobral, Icó, Iguatu, Crateús, Cedro e Trairi. Controla a Loteria Estadual do Ceará, Loteria dos Sonhos, Quadra da Sorte e Totolec. Os últimos empreendimentos, todavia, estão legalizados”. Os último empreendimentos não estão legalizados, amparam-se na legislação não recepcionada pela Constituição vigente. Tal qual fazia Alfonsus (Al) Capone, nenhum dos “sócios” declarava a Paratodos como fonte de renda. Na verdade nem tinham como fazê-lo. Então para onde ia o dinheiro oriundo da banca de jogo e de onde vinha o patrimônio e a renda dos sócios, que esbanjavam dinheiro abertamente? Somente no dia da execução da operação “Arca de Noé” a PF apreendeu R$ 5 milhões no cofre da Paratodos.

Nesse episódio, a resposta do secretário de segurança pública Roberto Monteiro. Dentre o fraco secretariado do governador Cid Gomes, Monteiro é o único que mantém uma postura merecedora de aplauso. O secretário não busca capitalizar mídia com o Ronda do Quarteirão – até porque o projeto foi concebido e utilizado na campanha por Cid, não por Monteiro – e tem uma postura de buscar uma assepsia no aparelho policial. Logo de cara proibiu que delegados e demais policiais obrigassem presos a concederem entrevista à imprensa, o que desagradou e não é cumprido por seus comandados. Depois teve um comportamento exemplar na crise que se abateu na Polícia Militar, através de mais um grupo de extermínio descoberto e preso.

Em recente crise com delegados da Polícia Civil, quando um grupo chegou a encaminhar documento pedindo o afastamento do delegado da PF Loredano, chefe da Coordenação de Inteligência (Coin), não aceitou a provocação da “imprensa policial” para que se debatesse e confrontasse publicamente o grupo de delegados. Teve uma postura serena e, como resposta, a ação que culminou com a prisão do segundo homem da hierarquia da Polícia Civil. Declarou que, apesar da repressão à contravenção ser da alçada estadual, não confiava nos delegados da Polícia Civil para executá-la. Loredano teve para si atraída a ira do grupo de delegados exatamente porque investigava alguns sob suspeição de envolvimento em crimes.

O Jogo do Jogo do Bicho

Em 2004 o site Em Off noticiou ação do Ministério Público Federal contra a empresa de propriedade de João Carlos Mendonça, que controla jogos como a Loteria Estadual, a Loteria dos Sonhos e o Totolec. A Constituição de 1988 não recepcionou a legislação que amparava o funcionamento desses jogos. O inciso XX do Artigo 22 tornou de competência privativa da União legislar sobre sorteios. Como não houve a recepção à legislação que amparou os concursos de sorteios já existentes e a legislação que amparou a criação posterior havia sido revogada, por conta do escândalo dos bingos, o MPF entrou com a ação. Na época o site ressaltou que não apenas os sorteios da empresa de João Mendonça mas de outra “empresa” – na qual ele também tinha participação – teriam que ser alvo de ação do Poder Público. Falávamos do jogo do bicho, cuja competência para coibição e atuação na repressão é do âmbito estadual.

O uso de concurso de sorteios como forma de lavagem de dinheiro não é algo recente. Pelo contrário, remonta décadas. O primeiro a ganhar notoriedade no Ceará, depois da lei que autorizou entidades esportivas a promover esse tipo de concurso como forma de angariar recurso foi o “Bingão Eletrônico”, cujo controlador principal era o proprietário da rede de farmácias Pague Menos, Deusmar Queiroz. O “Bingão” acabou exatamente por denúncias de lavagem de dinheiro e não se tem notícia de nenhuma ação contra os que o exploravam e o encerraram quando perceberam que a situação não tinha mais como ser sustentada sem que houvesse algum tipo de fiscalização.

O segundo se deu por conta do Poupa Ganha, que também acabou pelo mesmo motivo: era utilizado como forma de lavagem de dinheiro. O sistema é simples: se pega o valor de dinheiro que se quer legalizar e o converte em cartelas do jogo, que evidentemente não são vendidas. O valor é declarado ao fisco, o imposto recolhido e aquele dinheiro, tenha a procedência que tiver, está legalizado. Lavagem de dinheiro e evasão fiscal são crimes contumazes nesse tipo de “ramo”. O jogo do bicho não ocorre de maneira diferente. O entorno da contravenção e do crime sempre foi marcado pelo mais obscuro conjunto de outros crimes, que vai desde o tráfico de drogas à corrupção.

Semana passada a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão, busca e apreensão, expedidos pela Justiça Federal em ação movida pela PGR-CE, que culminou no desmonte da banca de jogo do bicho “Paratodos” e a prisão de vários de seus “dirigentes”, dentre eles o “presidente”, Francisco Mororó. A ação veio com três décadas de atraso, tempo em que o cartel que explora a contravenção em Fortaleza e Região Metropolitana atuou na mais absoluta tranqüilidade e calma. Também acabou preso o superintendente adjunto da Polícia Civil, Francisco Crisóstomo, acusado de ser um dos sócios da empresa que presta (ou supostamente prestava) serviço de segurança para o Paratodos.

Repetiu-se em Fortaleza o que tem sido comum quando operações semelhantes são promovidas em outras grandes cidades brasileiras: constata-se que essa contravenção não tem como existir sem a conivência de quem tem a obrigação institucional de reprimi-lo. A rede montada para a “blindagem” da contravenção não se restringe apenas ao Poder Público. A imprensa é uma grande contemplada, seja através das empresas de comunicação, seja diretamente com seus membros ou, ainda, das duas formas. Mesmo sendo proibidos por lei, os meios de comunicação de massa locais divulgavam diariamente os resultados das três extrações do jogo do bicho. Abertamente, sem qualquer tipo de maquiagem ou camuflagem. Jornais impressos, programas televisivos e radiofônicos assim agiam. O caixa das empresas e o bolso de profissionais e falsos profissionais do jornalismo enchiam-se com isso.

O casal João e Eridan Mendonça são habitués das “colunas sociais” impressas e eletrônicas do Estado. Alvo da bajulação de quem os promove. Chegavam a promover viagens onde levavam seus “amigos” da imprensa, com tudo pago claro, além de presentear outros com mimos bem caros. Isso não ocorre de maneira gratuita. O preço era o silêncio sepulcral que os meios de comunicação mantinham sobre a contravenção. Silêncio esse que não pôde ser mantido em virtude da mega-operação da PF. Mesmo assim, a cobertura deixou muito a desejar e foi bem aquém do que poderia render jornalisticamente. A maioria dos programas televisivos optou por apenas exibir a matéria, não praticando o esporte preferido dos apresentadores, tecer comentários.

Pérolas e Reflexões

PÉROLA – Essa foi publicada na editoria de esportes d’O Povo, sobre o novo uniforme do Ceará Sporting Club:

E-MAIS - Depois de quase sete meses, o Ceará fechou acordo com um novo patrocinador master. - O anúncio oficial será feito hoje à noite, na festa de inauguração do novo uniforme da equipe. Durante o evento, todo o material esportivo do Ceará será apresentado”.

Inauguração do novo uniforme da equipe? Não seria exposição? Inauguração – se é que existe inauguração de uniforme, ainda que “a turma usem” essa brincadeira com relação a roupa – poderia ocorrer, quando muito, na partida onde fosse utilizado pela primeira vez.


FAGUNDES – Na última coluna antes da eleição o Fagundes-mor da imprensa local resolveu escancarar ainda mais – se é que isso seja possível – a puxação de saco. Concentrou, claro, na prefeita e candidata à reeleição Luizianne Lins. Para ver se dá para morder alguma coisa depois... Ainda que a arcada não lhe privilegie...




PARA REFLETIR – “Candidato que gasta muito em eleição ou roubou ou vai roubar” (Dom Aloísio Lorscheider).

Financiamentos

Falando em financiamento de campanha a candidata Patrícia Saboya (PDT) se estranhou com o jornalista Érico Firmo, na entrevista que concedeu à TV O Povo. Questionada sobre o nome das principais empresas que financiam sua campanha a candidata disse que estariam disponíveis em seu sítio na rede mundial de computadores. Informada com uma cópia da página de que não havia a informação das empresas doadoras, a candidata disse que divulgaria a informação se, em contrapartida, a emissora fizesse o mesmo quanto à verba publicitária da Prefeitura recebida pela Empresa. O apresentador Ruy Lima argumentou que empresa privada não tem obrigação de publicar suas contas. Tem, tem sim. Ou o jornalista nunca viu nas páginas do próprio jornal O Povo – publicação de balanços de empresas privadas?

Barrigada por engano?

Semana passada o jornal O Povo deu dois exemplos de como não se fazer jornalismo. No primeiro, publicou o “cancelamento” de uma carreata da candidata Patrícia Saboya (PDT). No dia seguinte, teve que publicar o desmentido, pois a carreata havia sido realizada. A fonte do jornal? O animador da carreata da candidata Luizianne Lins (PT). Isso mesmo, o jornal publicou a notícia com base no que o “animador” disse na carreata da petista. Isso não é mais erro primário, mas praticamente uma ação deliberada.

Mas o pior ainda estava por vir. No episódio do “cancelamento” da carreata, o jornal publicou matéria onde disse ter errado. No dia 02/20/08, entretanto, o fato foi ainda mais grave. O Povo publicou matéria sobre a apreensão de duas notas falsas, supostamente utilizadas em compra de votos. O jornal disse que o esquema de compra de voto com dinheiro falso envolvia os candidatos à Prefeitura de Santa Quitéria Carlos Frederico Gomes (PSB) – irmão do candidato a vice na chapa do PT, Tin Gomes, e primo do governador Cid Gomes – e Chagas Mesquita (PSDB). Dez pessoas teriam sido presas. O texto, assinado por Érica Azevedo, e trouxe o seguinte: “Dez pessoas foram convocadas para prestar depoimento em Santa Quitéria, distante 217 quilômetros de Fortaleza, acusadas de comprar votos com dinheiro falso. No grupo, estão um vereador e um candidato a vice-prefeito, cujos nomes não foram divulgados pelo titular da delegacia da cidade, Ribamar Lemos. O delegado disse apenas que os envolvidos fazem parte de coligações dos candidatos a prefeito Carlos Frederico (PSB) e Chagas Mesquita (PSDB). (...) De acordo com Ribamar, a informação chegou à delegacia por meio de denúncia anônima, no dia 29 de setembro. Segundo as investigações, a compra dos votos teria acontecido em alguns distritos de Santa Quitéria, como Sangradouro e Pau Branco. (...) De acordo com o delegado, inquérito para apurar o caso foi solicitado pelo juiz da 54ª Zona Eleitoral, Edson Feitosa dos Santos Filho, e será enviado ao Poder Judiciário da comarca de Santa Quitéria. ‘Já ouvi testemunhas e até sábado deverei tomar o depoimento das dez pessoas apontadas no inquérito’, disse Ribamar, ressaltando que, até o fim dessa semana, o inquérito estará concluído”.

No dia seguinte, com matéria assinada pela mesma autora, o jornal desdisse o que havia dito. A matéria dizia que o delegado não havia dito o que o jornal disse que ele teria dito (êita confusão!). O fato chamou a atenção, pois poderia, por tabela, acabar respingando na eleição em Fortaleza, colocando madeixas, carecas e barbas de molho. O texto de Érica Azevedo trazia o seguinte: “O delegado Ribamar Lemos envia hoje ao Ministério Público da comarca de Santa Quitéria o resultado de sua apuração no caso das cédulas falsas usadas para compra de votos. Ele negou, ontem, ter apontando as coligações a que pertencem os suspeitos de envolvimento com a irregularidade”. O policial desmentiu o que o jornal atribuiu à sua fala, mas O Povo não publicou o texto como forma de erramos, tampouco admitiu ou reconheceu a, digamos, “melada” (para não usar outro termo) cometida.

Continuou a matéria: “Será enviada hoje ao Ministério Público da comarca de Santa Quitéria documentação que dá conta de compra de voto com dinheiro falso na região distrital do município, distante 217 quilômetros de Fortaleza. A informação é do titular da Delegacia de Santa Quitéria, Ribamar Lemos, que negou ontem, enfaticamente, que essas pessoas possam fazer parte das coligações dos candidatos a prefeito Carlos Frederico (PSB) e Chagas Mesquita (PSDB), diferentemente do que foi publicado na edição de ontem do O POVO”. Mais uma vez o jornal errou por não checar informações. Acabou sendo desmentido. Pior: não reconheceu o erro. Também não reafirmou o que havia dito. Dessa forma, o leitor ficou sem saber se o delegado disse ou não que os envolvidos eram da coligação dos dois candidatos. Caso tenha dito, por qual motivo o jornal não reafirmou isso? Caso não tenha dito, porque não assumiu a melada? Optou por dar uma de João-sem-braço. A matéria publicada por O Povo foi explorada pelos adversários dos dois candidatos. O jornal não reconheceu que errou feio na véspera de uma eleição.

O jornal acabou informando suas deficiências logísticas e a falta de condições de trabalho interno para a apuração dos fatos. Além disso, a falta de preparo e a displicência. Num episódio tomou como fonte a palavra de um “animador de carreata” da petista Luizianne. Na outra, disse que o delegado havia dito, mas depois teve que dizer que o delegado não havia dito. Sequer mandou repórteres para apuração in loco. Escreveu no dia 2 que procurou os nomes que indiciou através dos partidos estaduais em fortaleza e que por causa disso não conseguiu falar com Carlos Frederico e Chagas Mesquita. Não há tanta distância assim entre a campanha em Santa Quitéria e Fortaleza. Fabiano Lobo (do PMDB, um dos candidatos que não teve seu nome citado pelo jornal) tem a campanha apoiada pelo secretário de turismo de Fortaleza, Henrique Sérgio Abreu (aquele que também se envolveu no imbróglio do réveillon), pelo deputado estadual Roberto Cláudio (PHS) – curiosamente o mesmo partido de Tin Gomes – e pelo deputado federal Paulo Henque Lustosa (PMDB), filho do ex-deputado federal e ex-ministro Paulo Lustosa.

Na exploração política do fato, panfletos com a reprodução da matéria foram distribuídos em Santa Quitéria. O povo publicou sobre esse procedimento: “Panfletos apócrifos foram distribuídos ontem no município de Santa Quitéria com a reprodução de matéria publicada no O POVO de ontem, sem que o jornal tenha qualquer responsabilidade quanto à iniciativa. Ao contrário, a reprovamos”. Melhor do que reprovar é ter responsabilidade com a apuração jornalística para que não ocorra esse tipo de melada e suas conseqüências. Continuou: “Havia no material, inclusive, uma montagem grosseira que vinculava o texto a uma imagem que não se relacionavam entre si. É importante deixar claro que o interesse original da publicação foi eminentemente jornalístico”. O interesse original da publicação foi eminentemente jornalístico? E mais esse erro pueril e “estranho”, foi o quê? Finalizou:

“Não se pode evitar que matérias originalmente publicadas no jornal sejam exploradas com fins eleitorais. Porém, repudiamos a prática, especialmente quando se dá através de montagens e manipulações”.

E quando erros como esse se dá através de irresponsabilidade e infantilidade, o jornal faz o quê? Poderia, pelo menos, ter assumido o erro.

Democracia e Debate na TV II

(Esta postagem continua o assunto da postagem anterior)
Como sempre os demais defensores de privilégios reforçaram o discurso da TV Verdes Mares. Necessário se faz, ainda, lembrar que concessão para a exploração de serviço de rádio e TV é do Poder Público, portanto com regras definidas e, principalmente, obrigações determinadas pela lei aos outorgados. Na coluna Política (jornal O Povo), edição do dia 01/10/08, seu titular escreveu:

“Regra anacrônica impede o bom debate A Rede Globo resolveu cancelar o debate em quatro capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Fortaleza. Motivo: esse tipo de confronto com mais de cinco candidatos é contraproducente. A emissora fez o que tinha de fazer. A legislação eleitoral é anacrônica. Trata os desiguais como iguais. Concede ao nanico que entra na disputa, muitas vezes por motivos nem sempre confessáveis, o mesmo peso e o mesmo valor que concede a um candidato de um grande partido ou uma grande aliança. Há candidatos a prefeito que não têm voto nem para se eleger vereador (se tivessem esses votos, creiam, eles procurariam garantir essa boquinha na vereança). A legislação é de um tempo em que o País precisava fortalecer sua democracia. Tempo em que precisava abrir o leque de chances para todos. Foi-se tal tempo. Hoje, o País é outro. Atitude correta foi a adotada pela TV O POVO, que optou pelo jornalismo de qualidade ao agendar entrevistas individuais com os concorrentes. Aí sim, o jornalismo pode confrontar o entrevistado. Aí sim, o candidato não se sentirá livre para dizer a bobagem que quiser porque será questionado por uma equipe de entrevistadores que se prepararam para esse momento. Não custa repetir: a legislação impõe às emissoras de TV e rádio uma regra que não é imposta nem à propaganda eleitoral gratuita. No palanque eletrônico, o nanico é nanico. Na cobertura jornalística, a justiça eleitoral obriga que o nanico seja tratado como gigante”.

Não existe anacronismo, mas uma lei que regula as eleições no País. Debate com mais de cinco candidatos poder ser, na avaliação do colunista, contraproducente não por conta da lei, mas pelo fato das empresas de comunicação reificarem o espaço de sua grade de programação e reduzir a discussão de temas de relevância a pouco mais de um minuto e meio, no máximo dois. A lei trata desiguais como iguais, como citou o colunista, exatamente para que todos tenham a mesma oportunidade.

Mais uma vez, preconceituosamente, trata candidatos que não estão “mais bem posicionados nas pesquisas” de nanicos. Demonstrando que desconhece a semântica das palavras, uma vez que nanismo é doença na qual o afetado apresenta problemas de crescimento e tem estatura anormal, aquém da média. Mas os anões são nanicos porque não têm perspectiva de crescimento, em virtude de sua doença. Adversamente dos candidatos, que podem ou não crescer na mesma eleição ou em outras futuras. Ainda que o colunista não deseje ou pregue o contrário.

O próprio titular do espaço cita que a TV O Povo optou por uma série de entrevistas com os candidatos. Mas não questionou o motivo pelo qual a emissora – que integra o Sistema O Povo de Comunicação – por qual motivo não realizou a série apenas com os “candidatos mais bem posicionados nas pesquisas”. Afinal, se era para manter a coerência, por qual motivo não estendeu a observação à atitude da TV O Povo?

Diferentemente do que escreveu, a democracia precisa, sim, ser fortalecida sempre. Hoje o País não é tão diferente do que era tempos atrás. Afinal, qual a diferença entre eleição indireta decidida em gabinetes e sob a pressão das armas ou a direta, onde o poderio econômico esmaga quem a ele se opõe? Infelizmente não disse quem seriam os candidatos “nanicos que entram na disputa, muitas vezes por motivos nem sempre confessáveis”.

Provavelmente o colunista deve defender o modelo norte-americano, onde a propaganda eleitoral nos meios de comunicação é paga – daí privilegiando os que se valerem dos detentores do capital e/ou sua capacidade de arregimentá-los em seu favor – e a cobertura se restringe à duas candidaturas: dos partidos Democrata e Republicano, que se revezam no poder desde a proclamação da independência daquele País.

Numa edição em um “ambiente democrático” do bipartidarismo que o Brasil conheceu durante a ditadura militar. A diferença é que lá não é necessária a imposição via golpe militar disso. Mesma forma, também, que o colunista defende o fim do horário eleitoral que insiste em chamar de gratuito. Coincidentemente o mesmo posicionamento dos empresários do setor, que desejam o horário eleitoral extinto e a propaganda eleitoral transformada em anúncios, inserções pagas. Às vezes até prega que o horário deva ser distribuído de maneira diferente, privilegiando os “gigantes”.

O colunista foi um dos que mais apregoou a “campanha limpa”, na qual os candidatos simplesmente ignorassem o histórico dos demais. Indo de encontro até mesmo com a propaganda institucional da Justiça Eleitoral, que conclama a analisar bem o currículo e o histórico dos candidatos, sejam eles ou não postulantes à reeleição. Fácil identificar o interesse nessas condutas: a conveniência pessoal que parte da imprensa possui em privilegiar as “candidaturas mais bem posicionadas nas pesquisas”.

Aliás, se esse critério fosse levado a feito em 2004, por exemplo, estariam excluídos do debate muitos então postulantes, inclusive a então candidata e hoje prefeita Luizianne Lins, que era mostrada pelas pesquisas como “nanica”. Vale lembrar que em 2004 num dos debates realizados pela TV Verdes Mares, com os candidatos então “melhores posicionados nas pesquisas”, Luizianne não participou, pois sequer figurava entre o grupo. Naquela ocasião estiveram os candidatos Cambraia (PSDB), Moroni (PFL), Inácio (PC do B) e Heitor Férrer (PDT).

Debates com mais de cinco candidatos não são contraproducentes, mas possibilitam, por exemplo, que o candidato mais bem posicionado nas pesquisas, seja alvo de um tiroteio maior de seus opositores, como ocorreu no debate da TV Jangadeiro, onde Luizianne Lins foi bombardeada pela maioria dos adversários. O poderio econômico nas campanhas políticas é notório. Principalmente das candidaturas dos “mais bem posicionados nas pesquisas”. Tem ficado claro na campanha de Luizianne, na de Moroni e Patrícia.

Nesses dois últimos, com menor poder de fogo. Entretanto, o colunista nunca questionou, por exemplo, que grupos estariam atrás do financiamento de campanhas e quais os interesses. Afinal, a empresa Marquise – que monopoliza o setor de coleta de lixo – e o Sindiônibus – que representa os interesses do empresariado do transporte público – não vêm, sucessivamente, patrocinando as candidaturas que acabam desaguando no Paço Municipal.

Hoje a empresa e o Sindicato foram e são os principais alimentadores financeiros da campanha da petista, ainda que isso não seja contabilizado oficialmente. Mas esse “detalhe” sequer foi citado, nem mesmo na série de matérias que o jornal fez sobre financiamento de campanha. Nem mesmo o fato de uma empresa que sequer tem sede no Município aparecer como uma das principais doadoras: a Grendene.

Democracia e Debate na TV

A TV Verdes Mares não realizou o debate que a cabeça de rede, a TV Globo, programou para que suas filiadas levassem a feito semana passada. O debate deveria acontecer na quinta-feira, mas um dia antes a emissora anunciou no Jornal do Dez o seu cancelamento. Uma nota, lida pela apresentadora Cíntia Lima, disse que a “TV Verdes Mares foi impedida de realizar o debate porque não houve acordo com os candidatos”. Segundo a nota, o canal de TV queria realizar o debate apenas com os “candidatos mais bem posicionados nas pesquisas” (Luizianne Lins, Moroni Torgan e Patrícia Saboya), e afirmava que um debate com mais de cinco participantes se mostra improdutivo.

A nota disse que a emissora havia oferecido aos demais candidatos que não iriam participar do debate “uma cobertura nos telejornais que eles não teriam como compensação”, ressaltando ainda que o único candidato que não aquiesceu com o acordo foi Aguiar Júnior (PTC). Os governos totalitários – sejam baseados na força das baionetas ou na força do capital – sempre primam pelo cerceamento dos direitos políticos e do tratamento desigual.

Com o golpe militar que instituiu a ditadura, em 1964, uma de suas ações, após a tomada do poder, foi a de limitar os direitos políticos. Com esse intuito, um dos atos institucionais editados pelo governo militar extinguiu os partidos políticos então existentes e criando o bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) – que reuniu os governistas – e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – que abrigou alguns oposicionistas, devidamente vigiados e com possibilidades políticas limitadas –. Durante mais de uma década o Brasil conheceu apenas esses dois partidos como única forma de participar da vida política.

Na década de 70, para conter o avanço da oposição ao regime militar, o então ministro da Justiça, o cearense Armando Falcão, proibiu o debate na TV e limitou a propaganda política no rádio e na TV a slides com a foto do candidato, seu número e a leitura em off de seu currículo. Tudo para que se contivesse o fomento ao pensamento contrário ao dos militares. Eleições para governadores dos estados foi restabelecida apenas no início da década de 80, pois até então os chefes dos executivos estaduais eram indicados pelo governo militar.

Em 1982 o brasileiro novamente pôde votar numa eleição quase geral, pois ainda não era possível escolher o presidente da República, que durante esse período era eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, onde o governo detinha a maioria absoluta. Mesmo assim, para não correr nenhum risco, sempre lançava um general-candidato pelo MDB, apenas para que a farsa não fosse tão escancarada. Mas era. Com o final da ditadura militar, em 1985, através do último presidente eleito indiretamente, Tancredo Neves – que faleceu sem assumir o cargo, tendo cumprido seu mandato o vice José Sarney –, tivemos a elaboração de uma nova Constituição – promulgada em 05/10/88 – e novas leis com a nova realidade política nacional.

O mote desde então tem sido a isonomia para que todos tenham o mesmo tratamento e as mesmas oportunidades, direitos e deveres. Ocorre que a ditadura da farda terminou, mas substituiu-a a dos ternos. Homens que não mais utilizavam as baionetas como forma de impor sua vontade, mas o capital. Mesmo com todo o discurso de que “respira-se democracia no País”, a prática tem demonstrado que a realidade hoje não é tão diferente da que se percebia no período de exceção. Ainda que os meios para essa imposição tenham sido modificados.

A legislação traz, pelo menos em tese, o princípio da isonomia. Isso não agrada aos detentores do poder econômico e, por conseguinte, seus prepostos. Não é de hoje que vozes se levantam contra a lei eleitoral. Como pano de fundo o discurso de que candidatos com pouca ou quase nenhuma densidade eleitoral se igualam aos que são considerados de peso político, bem como de ter transformado partidos políticos em panacéias, em balcão de negócios. Não é difícil reconhecer quem faz essa defesa, posto que feita de maneira aberta. Democrática, mas não isonomicamente.

A lei eleitoral estabelece que, em caso de debate no rádio ou na TV, deverão participar dele todos os candidatos cujo partido possuir representação no Congresso Nacional. Dos nove candidatos à Prefeitura de Fortaleza nas eleições desse ano, apenas Carlos Vasconcelos não tem direito assegurado de participar de debates, uma vez que seu partido, PCB, não tem representante na Câmara Federal nem no Senado. Portanto, a lei assegura o direito de os outros oito postulantes de participarem de debate realizado por emissora de rádio ou TV.

Durante o debate promovido pela TV Jangadeiro, Aguiar Júnior explicou que não concordou com a proposta da TV Verdes Mares pelo fato de não aceitar veto ou cerceamento. Alegorias à parte, como justificativa real cabe apenas o respaldo que a lei lhe assegura. É preciso esclarecer que, adversamente do que a TV Verdes Mares declarou em sua nota, não houve impedimento à realização do debate, tampouco cerceamento do trabalho jornalístico, como também foi alegado. A emissora resolveu não realizar o debate por uma decisão própria, por não considerar “produtivo” um debate com os oito candidatos com participação obrigatória.

Em vez disso o canal de TV optou por creditar à legislação eleitoral e ao candidato – este usou uma prerrogativa e não era obrigado a aceitar a proposta. Além disso, desde o acontecido a TV Verdes Mares passou a cobrir a campanha apenas dos tais candidatos mais bem posicionados nas pesquisas. Favorecimento e tratamento desigual que não foi objeto de ação do Ministério Público Eleitoral. Ao fazer isso a emissora fugiu à própria responsabilidade: de assumir ter sido uma decisão sua de não realizar o debate.