segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Democracia e Debate na TV

A TV Verdes Mares não realizou o debate que a cabeça de rede, a TV Globo, programou para que suas filiadas levassem a feito semana passada. O debate deveria acontecer na quinta-feira, mas um dia antes a emissora anunciou no Jornal do Dez o seu cancelamento. Uma nota, lida pela apresentadora Cíntia Lima, disse que a “TV Verdes Mares foi impedida de realizar o debate porque não houve acordo com os candidatos”. Segundo a nota, o canal de TV queria realizar o debate apenas com os “candidatos mais bem posicionados nas pesquisas” (Luizianne Lins, Moroni Torgan e Patrícia Saboya), e afirmava que um debate com mais de cinco participantes se mostra improdutivo.

A nota disse que a emissora havia oferecido aos demais candidatos que não iriam participar do debate “uma cobertura nos telejornais que eles não teriam como compensação”, ressaltando ainda que o único candidato que não aquiesceu com o acordo foi Aguiar Júnior (PTC). Os governos totalitários – sejam baseados na força das baionetas ou na força do capital – sempre primam pelo cerceamento dos direitos políticos e do tratamento desigual.

Com o golpe militar que instituiu a ditadura, em 1964, uma de suas ações, após a tomada do poder, foi a de limitar os direitos políticos. Com esse intuito, um dos atos institucionais editados pelo governo militar extinguiu os partidos políticos então existentes e criando o bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) – que reuniu os governistas – e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – que abrigou alguns oposicionistas, devidamente vigiados e com possibilidades políticas limitadas –. Durante mais de uma década o Brasil conheceu apenas esses dois partidos como única forma de participar da vida política.

Na década de 70, para conter o avanço da oposição ao regime militar, o então ministro da Justiça, o cearense Armando Falcão, proibiu o debate na TV e limitou a propaganda política no rádio e na TV a slides com a foto do candidato, seu número e a leitura em off de seu currículo. Tudo para que se contivesse o fomento ao pensamento contrário ao dos militares. Eleições para governadores dos estados foi restabelecida apenas no início da década de 80, pois até então os chefes dos executivos estaduais eram indicados pelo governo militar.

Em 1982 o brasileiro novamente pôde votar numa eleição quase geral, pois ainda não era possível escolher o presidente da República, que durante esse período era eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, onde o governo detinha a maioria absoluta. Mesmo assim, para não correr nenhum risco, sempre lançava um general-candidato pelo MDB, apenas para que a farsa não fosse tão escancarada. Mas era. Com o final da ditadura militar, em 1985, através do último presidente eleito indiretamente, Tancredo Neves – que faleceu sem assumir o cargo, tendo cumprido seu mandato o vice José Sarney –, tivemos a elaboração de uma nova Constituição – promulgada em 05/10/88 – e novas leis com a nova realidade política nacional.

O mote desde então tem sido a isonomia para que todos tenham o mesmo tratamento e as mesmas oportunidades, direitos e deveres. Ocorre que a ditadura da farda terminou, mas substituiu-a a dos ternos. Homens que não mais utilizavam as baionetas como forma de impor sua vontade, mas o capital. Mesmo com todo o discurso de que “respira-se democracia no País”, a prática tem demonstrado que a realidade hoje não é tão diferente da que se percebia no período de exceção. Ainda que os meios para essa imposição tenham sido modificados.

A legislação traz, pelo menos em tese, o princípio da isonomia. Isso não agrada aos detentores do poder econômico e, por conseguinte, seus prepostos. Não é de hoje que vozes se levantam contra a lei eleitoral. Como pano de fundo o discurso de que candidatos com pouca ou quase nenhuma densidade eleitoral se igualam aos que são considerados de peso político, bem como de ter transformado partidos políticos em panacéias, em balcão de negócios. Não é difícil reconhecer quem faz essa defesa, posto que feita de maneira aberta. Democrática, mas não isonomicamente.

A lei eleitoral estabelece que, em caso de debate no rádio ou na TV, deverão participar dele todos os candidatos cujo partido possuir representação no Congresso Nacional. Dos nove candidatos à Prefeitura de Fortaleza nas eleições desse ano, apenas Carlos Vasconcelos não tem direito assegurado de participar de debates, uma vez que seu partido, PCB, não tem representante na Câmara Federal nem no Senado. Portanto, a lei assegura o direito de os outros oito postulantes de participarem de debate realizado por emissora de rádio ou TV.

Durante o debate promovido pela TV Jangadeiro, Aguiar Júnior explicou que não concordou com a proposta da TV Verdes Mares pelo fato de não aceitar veto ou cerceamento. Alegorias à parte, como justificativa real cabe apenas o respaldo que a lei lhe assegura. É preciso esclarecer que, adversamente do que a TV Verdes Mares declarou em sua nota, não houve impedimento à realização do debate, tampouco cerceamento do trabalho jornalístico, como também foi alegado. A emissora resolveu não realizar o debate por uma decisão própria, por não considerar “produtivo” um debate com os oito candidatos com participação obrigatória.

Em vez disso o canal de TV optou por creditar à legislação eleitoral e ao candidato – este usou uma prerrogativa e não era obrigado a aceitar a proposta. Além disso, desde o acontecido a TV Verdes Mares passou a cobrir a campanha apenas dos tais candidatos mais bem posicionados nas pesquisas. Favorecimento e tratamento desigual que não foi objeto de ação do Ministério Público Eleitoral. Ao fazer isso a emissora fugiu à própria responsabilidade: de assumir ter sido uma decisão sua de não realizar o debate.

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