segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Barrigada por engano?

Semana passada o jornal O Povo deu dois exemplos de como não se fazer jornalismo. No primeiro, publicou o “cancelamento” de uma carreata da candidata Patrícia Saboya (PDT). No dia seguinte, teve que publicar o desmentido, pois a carreata havia sido realizada. A fonte do jornal? O animador da carreata da candidata Luizianne Lins (PT). Isso mesmo, o jornal publicou a notícia com base no que o “animador” disse na carreata da petista. Isso não é mais erro primário, mas praticamente uma ação deliberada.

Mas o pior ainda estava por vir. No episódio do “cancelamento” da carreata, o jornal publicou matéria onde disse ter errado. No dia 02/20/08, entretanto, o fato foi ainda mais grave. O Povo publicou matéria sobre a apreensão de duas notas falsas, supostamente utilizadas em compra de votos. O jornal disse que o esquema de compra de voto com dinheiro falso envolvia os candidatos à Prefeitura de Santa Quitéria Carlos Frederico Gomes (PSB) – irmão do candidato a vice na chapa do PT, Tin Gomes, e primo do governador Cid Gomes – e Chagas Mesquita (PSDB). Dez pessoas teriam sido presas. O texto, assinado por Érica Azevedo, e trouxe o seguinte: “Dez pessoas foram convocadas para prestar depoimento em Santa Quitéria, distante 217 quilômetros de Fortaleza, acusadas de comprar votos com dinheiro falso. No grupo, estão um vereador e um candidato a vice-prefeito, cujos nomes não foram divulgados pelo titular da delegacia da cidade, Ribamar Lemos. O delegado disse apenas que os envolvidos fazem parte de coligações dos candidatos a prefeito Carlos Frederico (PSB) e Chagas Mesquita (PSDB). (...) De acordo com Ribamar, a informação chegou à delegacia por meio de denúncia anônima, no dia 29 de setembro. Segundo as investigações, a compra dos votos teria acontecido em alguns distritos de Santa Quitéria, como Sangradouro e Pau Branco. (...) De acordo com o delegado, inquérito para apurar o caso foi solicitado pelo juiz da 54ª Zona Eleitoral, Edson Feitosa dos Santos Filho, e será enviado ao Poder Judiciário da comarca de Santa Quitéria. ‘Já ouvi testemunhas e até sábado deverei tomar o depoimento das dez pessoas apontadas no inquérito’, disse Ribamar, ressaltando que, até o fim dessa semana, o inquérito estará concluído”.

No dia seguinte, com matéria assinada pela mesma autora, o jornal desdisse o que havia dito. A matéria dizia que o delegado não havia dito o que o jornal disse que ele teria dito (êita confusão!). O fato chamou a atenção, pois poderia, por tabela, acabar respingando na eleição em Fortaleza, colocando madeixas, carecas e barbas de molho. O texto de Érica Azevedo trazia o seguinte: “O delegado Ribamar Lemos envia hoje ao Ministério Público da comarca de Santa Quitéria o resultado de sua apuração no caso das cédulas falsas usadas para compra de votos. Ele negou, ontem, ter apontando as coligações a que pertencem os suspeitos de envolvimento com a irregularidade”. O policial desmentiu o que o jornal atribuiu à sua fala, mas O Povo não publicou o texto como forma de erramos, tampouco admitiu ou reconheceu a, digamos, “melada” (para não usar outro termo) cometida.

Continuou a matéria: “Será enviada hoje ao Ministério Público da comarca de Santa Quitéria documentação que dá conta de compra de voto com dinheiro falso na região distrital do município, distante 217 quilômetros de Fortaleza. A informação é do titular da Delegacia de Santa Quitéria, Ribamar Lemos, que negou ontem, enfaticamente, que essas pessoas possam fazer parte das coligações dos candidatos a prefeito Carlos Frederico (PSB) e Chagas Mesquita (PSDB), diferentemente do que foi publicado na edição de ontem do O POVO”. Mais uma vez o jornal errou por não checar informações. Acabou sendo desmentido. Pior: não reconheceu o erro. Também não reafirmou o que havia dito. Dessa forma, o leitor ficou sem saber se o delegado disse ou não que os envolvidos eram da coligação dos dois candidatos. Caso tenha dito, por qual motivo o jornal não reafirmou isso? Caso não tenha dito, porque não assumiu a melada? Optou por dar uma de João-sem-braço. A matéria publicada por O Povo foi explorada pelos adversários dos dois candidatos. O jornal não reconheceu que errou feio na véspera de uma eleição.

O jornal acabou informando suas deficiências logísticas e a falta de condições de trabalho interno para a apuração dos fatos. Além disso, a falta de preparo e a displicência. Num episódio tomou como fonte a palavra de um “animador de carreata” da petista Luizianne. Na outra, disse que o delegado havia dito, mas depois teve que dizer que o delegado não havia dito. Sequer mandou repórteres para apuração in loco. Escreveu no dia 2 que procurou os nomes que indiciou através dos partidos estaduais em fortaleza e que por causa disso não conseguiu falar com Carlos Frederico e Chagas Mesquita. Não há tanta distância assim entre a campanha em Santa Quitéria e Fortaleza. Fabiano Lobo (do PMDB, um dos candidatos que não teve seu nome citado pelo jornal) tem a campanha apoiada pelo secretário de turismo de Fortaleza, Henrique Sérgio Abreu (aquele que também se envolveu no imbróglio do réveillon), pelo deputado estadual Roberto Cláudio (PHS) – curiosamente o mesmo partido de Tin Gomes – e pelo deputado federal Paulo Henque Lustosa (PMDB), filho do ex-deputado federal e ex-ministro Paulo Lustosa.

Na exploração política do fato, panfletos com a reprodução da matéria foram distribuídos em Santa Quitéria. O povo publicou sobre esse procedimento: “Panfletos apócrifos foram distribuídos ontem no município de Santa Quitéria com a reprodução de matéria publicada no O POVO de ontem, sem que o jornal tenha qualquer responsabilidade quanto à iniciativa. Ao contrário, a reprovamos”. Melhor do que reprovar é ter responsabilidade com a apuração jornalística para que não ocorra esse tipo de melada e suas conseqüências. Continuou: “Havia no material, inclusive, uma montagem grosseira que vinculava o texto a uma imagem que não se relacionavam entre si. É importante deixar claro que o interesse original da publicação foi eminentemente jornalístico”. O interesse original da publicação foi eminentemente jornalístico? E mais esse erro pueril e “estranho”, foi o quê? Finalizou:

“Não se pode evitar que matérias originalmente publicadas no jornal sejam exploradas com fins eleitorais. Porém, repudiamos a prática, especialmente quando se dá através de montagens e manipulações”.

E quando erros como esse se dá através de irresponsabilidade e infantilidade, o jornal faz o quê? Poderia, pelo menos, ter assumido o erro.

Nenhum comentário: