segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O Jogo do Jogo do Bicho

Em 2004 o site Em Off noticiou ação do Ministério Público Federal contra a empresa de propriedade de João Carlos Mendonça, que controla jogos como a Loteria Estadual, a Loteria dos Sonhos e o Totolec. A Constituição de 1988 não recepcionou a legislação que amparava o funcionamento desses jogos. O inciso XX do Artigo 22 tornou de competência privativa da União legislar sobre sorteios. Como não houve a recepção à legislação que amparou os concursos de sorteios já existentes e a legislação que amparou a criação posterior havia sido revogada, por conta do escândalo dos bingos, o MPF entrou com a ação. Na época o site ressaltou que não apenas os sorteios da empresa de João Mendonça mas de outra “empresa” – na qual ele também tinha participação – teriam que ser alvo de ação do Poder Público. Falávamos do jogo do bicho, cuja competência para coibição e atuação na repressão é do âmbito estadual.

O uso de concurso de sorteios como forma de lavagem de dinheiro não é algo recente. Pelo contrário, remonta décadas. O primeiro a ganhar notoriedade no Ceará, depois da lei que autorizou entidades esportivas a promover esse tipo de concurso como forma de angariar recurso foi o “Bingão Eletrônico”, cujo controlador principal era o proprietário da rede de farmácias Pague Menos, Deusmar Queiroz. O “Bingão” acabou exatamente por denúncias de lavagem de dinheiro e não se tem notícia de nenhuma ação contra os que o exploravam e o encerraram quando perceberam que a situação não tinha mais como ser sustentada sem que houvesse algum tipo de fiscalização.

O segundo se deu por conta do Poupa Ganha, que também acabou pelo mesmo motivo: era utilizado como forma de lavagem de dinheiro. O sistema é simples: se pega o valor de dinheiro que se quer legalizar e o converte em cartelas do jogo, que evidentemente não são vendidas. O valor é declarado ao fisco, o imposto recolhido e aquele dinheiro, tenha a procedência que tiver, está legalizado. Lavagem de dinheiro e evasão fiscal são crimes contumazes nesse tipo de “ramo”. O jogo do bicho não ocorre de maneira diferente. O entorno da contravenção e do crime sempre foi marcado pelo mais obscuro conjunto de outros crimes, que vai desde o tráfico de drogas à corrupção.

Semana passada a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão, busca e apreensão, expedidos pela Justiça Federal em ação movida pela PGR-CE, que culminou no desmonte da banca de jogo do bicho “Paratodos” e a prisão de vários de seus “dirigentes”, dentre eles o “presidente”, Francisco Mororó. A ação veio com três décadas de atraso, tempo em que o cartel que explora a contravenção em Fortaleza e Região Metropolitana atuou na mais absoluta tranqüilidade e calma. Também acabou preso o superintendente adjunto da Polícia Civil, Francisco Crisóstomo, acusado de ser um dos sócios da empresa que presta (ou supostamente prestava) serviço de segurança para o Paratodos.

Repetiu-se em Fortaleza o que tem sido comum quando operações semelhantes são promovidas em outras grandes cidades brasileiras: constata-se que essa contravenção não tem como existir sem a conivência de quem tem a obrigação institucional de reprimi-lo. A rede montada para a “blindagem” da contravenção não se restringe apenas ao Poder Público. A imprensa é uma grande contemplada, seja através das empresas de comunicação, seja diretamente com seus membros ou, ainda, das duas formas. Mesmo sendo proibidos por lei, os meios de comunicação de massa locais divulgavam diariamente os resultados das três extrações do jogo do bicho. Abertamente, sem qualquer tipo de maquiagem ou camuflagem. Jornais impressos, programas televisivos e radiofônicos assim agiam. O caixa das empresas e o bolso de profissionais e falsos profissionais do jornalismo enchiam-se com isso.

O casal João e Eridan Mendonça são habitués das “colunas sociais” impressas e eletrônicas do Estado. Alvo da bajulação de quem os promove. Chegavam a promover viagens onde levavam seus “amigos” da imprensa, com tudo pago claro, além de presentear outros com mimos bem caros. Isso não ocorre de maneira gratuita. O preço era o silêncio sepulcral que os meios de comunicação mantinham sobre a contravenção. Silêncio esse que não pôde ser mantido em virtude da mega-operação da PF. Mesmo assim, a cobertura deixou muito a desejar e foi bem aquém do que poderia render jornalisticamente. A maioria dos programas televisivos optou por apenas exibir a matéria, não praticando o esporte preferido dos apresentadores, tecer comentários.

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